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Saberes, Conflitos e Narrativas da Carroça: Onde a cidade se movimenta
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Dados do projeto:
Projeto: Saberes, Conflitos e Narrativas da Carroça: Onde a cidade se movimenta
Orientador: ANGELICA COSENZA RODRIGUES
Bolsistas:
GUSTAVO TARANTO EPPRECHT
Colaboradores:
Área: CIENCIAS HUMANAS
Subárea: EDUCAÇÃO
Resumo do trabalho: O presente projeto de pesquisa vem assumindo, desde 2021, como questão de pesquisa entender o papel do conflito socioambiental, que opõe protetores animais aos carroceiros, nas narrativas e na constituição de saberes e modos de vida de carroceiros em juiz de Fora, MG. Os modos carroceiros de se vestir, falar e perceber a cidade são resultado dessa rede de relações interespecíficas produzidas na vida com os cavalos. Vários termos, palavras e expressões, próprias da lida com os animais, currais, baias e carroças, distinguem o modo de vida carroceiro dos outros habitantes das cidades (OLIVEIRA - ALMADA, 2019). Esse modo de vida guarda consigo saberes ameaçados de extinção e esquecimento, principalmente no que se relaciona a formas de sociabilidade, das quais os cavalos, jumentos, burros e mulas também são sujeitos e que conformam uma linguagem própria, tanto oral como corporal. Por isso tudo podemos dizer que carroceiros têm uma identidade ligada à natureza e isso significa reafirmar a possibilidade da vida em comum entre humanos, bichos e plantas, chãos, águas, entre o visível e o invisível (tradicionalidade/ancestralidade), que se tece em múltiplos espaços na cidade, no campo. Em juiz de Fora, a efetivação da Lei Nº13.071, de 22/12/2014 que extinguiu o transporte em VTA e o término do prazo em 2019 para a adequação dos carroceiros a outras profissões vem provocando mobilização dos carroceiros na cidade e conflito ambiental que opõe defensores dos direitos dos animais aos carroceiros. O problema social que move essa investigação, qual seja discursos e práticas sociais de invisibilização/subaltternização de modos de vida carroceiros (e modos de praticar o saber) na cidade de Juiz de Fora, denuncia um discurso colonizador que pretende apagar a diversidade biocultural dos espaços urbanos/rurais e em nome de um suposto progresso excludente e violento. Este problema social leva-nos a tensionar a discursividade (e práticas sociais) sobre a questão ambiental (e a educação ambiental) por meio de um campo científico, no qual ganham evidência conflitos socioambientais e relações de poder atravessados por modos de significação rivais de apropriação da natureza e de territórios. A Ecologia Política é um novo e heterogêneo campo de pesquisa teórica, investigação científica e ação política, que busca decolonizar o conhecimento e legitimar outros saberes (LEFF, 2016). Reconhecendo a luta ambiental como luta pelo bem comum, a Ecologia Política na América Latina assume como lugar de enunciação a busca pela identidade latino-americana e a desconfiança em relação às racionalidades convencionais, já que o conhecimento é uma forma de regulação historicamente pautada por estratégias de poder. Ao buscar problematizar os saberes considerados ?subalternos?, esse campo constantemente nos convida a assumirmos posicionamentos e práticas que legitimam outros modos de compreensão da realidade, das relações socioambientais, bem como outros saberes. Historicamente, carroceiros vêm sendo impactados em suas relações com o território, com a natureza e com seus modos de vida, ficando, assim, mais expostos a riscos. Tendo esse projeto sido iniciado em 2021, as estratégias iniciais de ação compreenderam inicialmente uma articulação com a ACOVETRA (Associação Cultural de Veículos de Tração Animal de Juiz de Fora) para observação de reuniões e levantamento de contatos, participação em grupos de Whatsap dos carroceiros de Juiz de Fora. Na etapa seguinte, procedemos ao conhecimento in loco de tais carroceiros em seus locais de morada ou de trabalho, para também reconhecer informantes qualificados, que possam indicar outros carroceiros não associados a ACOVETRA. Também procedemos a um levantamento bibliográfico de artigos nas plataformas acadêmicas CAPES e SciELO, cuja análise buscou identificar a enunciação dos carroceiros e charreteiros enquanto construtores de saberes, histórias, memórias. Em 2021, realizamos 13 entrevistas semi-estruturadas com os/as carroceiros, lideranças da ACOVETRA e outros informantes qualificados. Também produzimos um formulário google para o levantamento de dados junto a 19 participantes do grupo de WhatsApp local denominado ?Charretes e Carroças?. No decorrer do desenvolvimento da etapa atual da pesquisa, tais entrevistas, após transcritas, serão devidamente analisadas pelo aporte de categorias da Análise Crítica do Discurso. Embora os carroceiros de Juiz de Fora sejam representados discursivamente pelos protetores animais como pessoas que ?não buscaram outras opções de trabalho? ao longo dos 5 anos de prazo dado pela Lei municipal Nº13.071 para extinção dos VTA, nas entrevistas realizadas nesta pesquisa até o momento, os próprios carroceiros vem sustentando outra narrativa, na qual a permanência do ofício se deve a escolhas deliberadas, uma vez que a relação com os cavalos não se reduz somente a uma fonte de renda, mas sim engloba os outros âmbitos da vida social. O lema dos carroceiros, por outro lado, reforça sua luta pelo direito de reproduzir o modo de vida tradicional na cidade, bem como a luta contra o discurso que pretende caracterizá-los como atrasados, como empecilhos inconvenientes e descartáveis ao progresso e à modernização da cidade e até criminalizá-los por ?maus tratos? aos animais. Eles enfatizam o direito de continuarem vivendo assim: ?É junto aos cavalos e mulas, seus companheiros de trabalho, que eles constroem o território carroceiro na cidade ao longo de rotas tradicionais e através dos saberes e fazeres envolvidos nesse modo de viver na cidade? (OLIVEIRA - ALMADA, 2019, p.5). Os resultados da pesquisa bibliográfica revelam tensões entre a produção de conhecimentos científicos e populares/tradicionais, relacionada com a reprodução da hegemonia moderna/colonial/capitalista, bem como à resistência de modos de vida contra-hegemônicos. Desta forma, frente aos desafios socioambientais desse tempo ecocida, mas também às experiências de um grupo de pesquisa solidamente constituído nos vôos e pousos da educação ambiental no Brasil (COSENZA et al, 2020) somos provocados a pensar nos caminhos de construção de uma educação ambiental, em que a defesa intransigente da vida e da justiça ambiental, só se faz possível a partir da atenção à multidão interligada de modos viventes.